domingo, 26 de outubro de 2008

A história atrás de uma foto


Rio de Janeiro, Setembro de 1968. Câmera Nikon, 35mm, filme Ektacrome.

UM SANTO ENTERNECIDO

Era, mais uma saída, daquelas que qualquer fotógrafo que trabalha na imprensa em geral, seja em jornal ou revista, agradaria fazer, principamente por tratar-se de um autor forjado no seio do povo brasileiro e, por isso mesmo, lapidado nos quintais iluminado dos subúrbios carioca, naqueles tempos em que esses recantos emoldurariam para sempre um memorial livre, solto e feliz na criança que se transformasse mais tarde em adulto.
Uma saída, por si só, mágica. Seu personagem maior atendia pelo nome de Pixinguinha, um gênio da musicalidade pátria, o Alfredo da Rocha Vianna Júnior, conhecido assim na pia batismal. Compositor, maestro, instrumentista, professor, formador de importantes conjuntos e orquestras, que compôs para filmes e revistas, e tambem música litúrgica, um inovador em cada época e um santo constantemente enternecido com a geração que acredita num som brasileiro e universal.
Eu trabalhava, então, na revista Manchete, de Bloch Editores, semanário florido de fotos e pouco texto, que (dizem!...) fazia a festa nos consultórios médicos, enquanto seus pacientes, aguardando seu encontro clínico, folheavam sem muita saída, suas páginas repletas de signos e informações ligeiras sem consistências. Eu e Muniz Sodré, solerte repórter que começava sua carreira de escriba e, que, se não me engano fazia naquela saída o seu "debut", indo comigo entrevistar "aquele que pra morrer, foi pedir benção a seu santo", segundo o poeta e também compositor, Hermínio Bello de Carvalho.
E, chegando à sua casa, em Ramos, numa rua com o seu próprio nome, entreguei o mestre Pixinguinha ao Muniz, e os dois, na sala do músico, puderam, então, remexerem-se na entrevista, solitariamente. Afastando-me, percebi os acenos descontraídos da residência. Lá estava um quintal cimentado, entubado por uma vistosa mangueira, vitoriosa e soberana, a enfunar-se galhardamente em seu vertiginoso crescimento, folheada de verde, ostentando alguns frutos tímidos que cresciam esperando dezembro chegar.
Era início de setembro e a propalada primavera já se anunciava, com seus dias de sol agradável pregado no azul de um céu sem nuvens. Havia, plantadas aos pés da mangueira, dálias e rosas, salpicando dessa forma, um lirismo impressionista, cujos matizes frios e quentes, pincelavam certa quietude anunciando que a felicidade estava ali e, que Pixinguinha se emolduraria muito bem plantado naquele recanto de ordem e paz.
E, assim, uma hora depois de terminada a conversa entre o repórter e o maestro no interior da casa, convidei Pixinguinha a sentar-se em sua cadeira de balanço no meio do quintal mágico, segurando o saxofone, divisando hipoteticamente uma linha do horizonte, tocando com os olhos o silêncio de um choro ausente, mas, comovido. Lembro-me, que fiz, num raio de 160 graus, um filme de 36 poses em dois a três minutos, um delírio! Colírio para a história cultural brasileira, certeza que consagrava definitivamente, sob minhas lentes, aquele que há muito tempo já era uma lenda nacional.

Comentários:
A fotografia é histórica por tratar-se de um gênio musical brasileiro.
A foto se manterá indelevelmente histórica pelo apreço e unanimidade pessoal em que as pessoas tem este autor musical.
Sou um homem de projetos pessoais e, mesmo no tempo que trabalhei em jornal e revistas, fui um declarado criador, manipulando e criando atmosferas, sustentando que a verdade jornalística, enquanto notícias, pode ter alguns lados de verdade, não somente a verdade objetiva. Na verdade, fui um criador de alegorias.

Walter Firmo

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